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domingo, 17 de maio de 2015

Tips for life - #108


Wondering is the seed of genius William Mocca
 
Quando tentamos escrever algo diferente sobre uma afirmação e nos lembramos que alguém já o fez muito melhor do que nós seríamos capazes de o fazer...
.
Apesar da tradução não ser a correcta,...segue o poema


Pedra Filosofal / António Gedeão

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso,

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam

em bebedeiras de azul.

 

eles não sabem que o sonho

é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho álacre e sedento,

de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo

num perpétuo movimento.

 

Eles não sabem que o sonho

é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel,

arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia,

que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante,

rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista,

que é cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim,

florete de espadachim,

bastidor, passo de dança,

Colombina e Arlequim,

passarola voadora,

pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva,

alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar,

ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão

na superfície lunar.

 

Eles não sabem, nem sonham,

que o sonho comanda a vida,

que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança.

 

In Movimento Perpétuo, 1956

 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 10

Poema da Memória

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
 que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
 Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
 exactamente um espelho
 porque, do que sabia,
 só um espelho com isso se parecia.

 De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
 só tinha olhos para o rio distante,
 os olhos do animal embalsamado
 mas vivo
 na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
 Diria o rio que havia no seu tempo

 um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
 onde dois grandes olhos,
 grandes e ávidos, fixos e pasmados,
 o fitavam sem tréguas nem cansaço.
 Eram dois olhos grandes,
 olhos de bicho atento
 que espera apenas por amor de esperar.

 E por que não galgar sobre os telhados,
 os telhados vermelhos
 das casas baixas com varandas verdes
 e nas varandas verdes, sardinheiras?
 Ai se fosse o da história que voava
 com asas grandes, grandes, flutuantes,
 e poisava onde bem lhe apetecia,
 e espreitava pelos vidros das janelas
 das casas baixas com varandas verdes!
 Ai que bom seria!
 Espreitar não, que é feio,
 mas ir até ao longe e tocar nele,
 e nele ver os seus olhos repetidos,
 grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
 Como seria bom!

 Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
 (tão simples isso)
 não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.


António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'