Rio Tejo
Oh! Tejo que cortais Portugal em dois
Que vindes da Espanha e chegais a Lisboa
Quisera eu ser tão grande como vós sois
Ou ter força para vos navegar de canoa
Um dia inundastes Lisboa, esta capital
Trazendo água da Espanha e do interior
Bem antes da construção da Ponte Salazar
A primeira que neste rio veio a se fazer
Mais uma grande ponte foi feita também
Que veio ligar Lisboa à região Sacavém
Onde é um local de assombrosa beleza
Tenho em minha vida um grande desejo
De um dia poder navegar sobre o Tejo
Seria dia de muita alegria, com certeza.
Jmd/Maringá
Fonte: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=139551#ixzz38He9VoKh
O Tejo inspira aqueles que por lá andam, que por lá andaram e querem voltar e aqueles que por ele querem navegar e sonhar
Gestão | Vendas | Marketing | Histórias | VESPAS | Coisas boas e um pouco de tudo O que penso, o que eu crítico, os meus textos, textos dos outros, informações interessantes de oitava coluna e outras que eu acho engraçadas (I hope). Junto algumas fotos e tudo o mais que me vier à mona. Content by myself and some other stuff. email:joaodavespa@gmail.com / joao@jpmconsultores.pt Quotes: - If you think education is expensive, try ignorance - What you know is worth more than you know
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quarta-feira, 23 de julho de 2014
terça-feira, 22 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 13
Trazias
de Lisboa o que em Lisboa
é
um apelo do mar: um mais além.
Trazias
Índias e naufrágios. Fado e Madragoa.
E
o cheiro a sul que só Lisboa tem.
Trazias
de Lisboa a velha nau
que
nos fez e desfez (em Lisboa por fazer).
Trazias
a saudade e o escravo Jau
Trazias
de Lisboa a nossa vida
parada
no Rossio: nau partida
em
Lisboa a partir (Ó glória vã
não
mais não mais que uma bandeira rota).
Trazias
de Lisboa uma gaivota.
E era manhã.
de Manuel Alegre
domingo, 20 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 12
No
Castelo de São Jorge
Pedi
à sentinela para entrar.
Eu
ia um pouco à toa, sem saberSe era fácil poder justificar
O meu desejo de espreitar o dia
E ver nascer o Sol desse Castelo
Que domina Lisboa no mais belo
E surpreendente quadro de beleza!
Lisboa, a mais gentil, a portuguesa
E nobre capital de um povo grande
No sofrimento e na resignação,
Estava ainda preguiçosa e lenta
No acordar dessa manhã de Outono
Que eu vou tentar fixar nesta canção.
de António Botto
sábado, 19 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 11
O Tejo é
mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo
não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o
Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem
grandes navios
E navega
nele ainda,
Para aqueles
que vêem em tudo o que lá não está,
A memória
das naus.
O Tejo desce
de Espanha
E o Tejo
entra no mar em Portugal.
Toda a gente
sabe isso.
Mas poucos
sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde
ele vai
E por isso
porque pertence a menos gente,
É mais livre
e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo
vai-se para o Mundo.
Para além do
Tejo há a América
E a fortuna
daqueles que a encontram.
Ninguém
nunca pensou no que há para além
Do rio da
minha aldeia.
O rio da
minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao
pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema
XX"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Tema(s): Natureza
Portugal Ler outros poemas de
Alberto Caeiro
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 10
Havia no meu
tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.
De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do
horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.
E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que é feio,
mas ir até ao longe e tocar nele,
e nele ver os seus olhos repetidos,
grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
Como seria bom!
Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
(tão simples isso)
não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.
quinta-feira, 17 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 9
Brandas águas do Tejo que, passando
Por estes verdes campos que regais,
Plantas, ervas, e flores, e animais,
Pastores, ninfas, ides alegrando;
Não sei (ah, doces águas!), não sei
quando
Vos tornarei a ver; que mágoas tais,
Vendo como vos deixo, me causais
Que de tornar já vou desconfiando.
Ordenou o destino, desejoso
De converter meus gostos em pesares,
Partida que me vai custando tanto.
Saudoso de vós, dele queixoso,
Encherei de suspiros outros ares,
Turbarei outras águas com meu pranto.
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 8
Avé Marias
Nas
nossas ruas, ao anoitecer,
Há
tal soturnidade, há tal melancolia,Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O
céu parece baixo e de neblina,
O
gás extravasado enjoa-me, perturba;E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina
De Cesário Verde
domingo, 13 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 7
Os Namorados LisboetasEntre o olival e a vinha
o Tejo líquido jumento
sua solar viola afina
a todo o azul do seu comprimento
tendo por lânguida bainha
barcaças de bacia larga
que possessas de ócio animam
o sol a possuí-las de ilharga.
Sua lata de branca tinta
vai derramando um vapor
precisando a tela marinha
debuxada com os lápis de cor
da liberdade de sermos dois
a máquina de fazer púrpura
que em todas as coisas fermenta
seu tácito sumo de uva.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
sábado, 12 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 6
E de Novo, Lisboa.
E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.
Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.
Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 5
Digo:
"Lisboa"
Quando
atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a
que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e
ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo
luzir de azul e rio
Em seu corpo
amontoado de colinas -
Vejo-a
melhor porque a digo
Tudo se
mostra melhor porque digo
Tudo mostra
melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com
seu nome de ser e de não-ser
Com seus
meandros de espanto insónia e lata
E seu
secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu
conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o
largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa
oscilando como uma grande barca
Lisboa
cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome
da cidade
- Digo para
ver
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 4
LisboaLisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.
Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
A força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 3
Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de
água,
nada mais quero de degrau em degrau
Lisboa em palavras e imagens - 2
Ao Rio Tejo (séc XVI)
Formoso Tejo
meu, que diferente
te vejo a
ti, me vês agora e viste;
turvo te
vejo a ti, tu a mim triste,
claro te vi
eu já, tu a mim contente;
a ti foi-te
trocando a grossa enchente
a quem teu
largo campo não resiste,
a mim
trocou-me a vista em que consiste
o meu viver
contente ou descontente
Já que somos
no mal participantes,
sejamo-lo no
bem. Ó quem me dera
que fôssemos
em tudo semelhantes!
Lá virá
então a fresca Primavera;
tu tornarás
a ser quem eras dantes
eu não sei
se serei quem era dantes.
(de autor anónimo)
terça-feira, 8 de julho de 2014
Lisboa em palavras e imagens - 1
O Poema das Barcas Novas
Em
Lixboa sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
ay mia senhor velida!
barcas novas mandei lavrar,
ay mia senhor velida!
Em
Lisboa sobre lo lez
barcas novas mandei fazer,
ay mia senhor velida!
barcas novas mandei fazer,
ay mia senhor velida!
Barcas
novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
ay mia senhor velida!
e no mar as mandei deitar,
ay mia senhor velida!
Barcas
novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
ay mia senhor velida!
e no mar as mandei meter,
ay mia senhor velida!
João Zorro, poeta do sec XIII e XIV
sexta-feira, 21 de março de 2014
Saudade
Saudade
Se a Primavera acabar
antes do tempo e do fim,
ficará muita saudade,
muita saudade p'ra mim.
Muito obrigada, mulher,
pela mulher que há em mim.
Fizeste-a com teu exemplo,
desde o berço até ao fim.
Tuas mãos fiaram linhos
todos tecidos p'ra mim.
E fizeram esta mulher,
esta mulher que há em mim.
Se a tua hora chegar
antes do tempo e do fim,
ficarás ainda por cá,
nesta mulher que há em mim.
de Josefa Marques
segunda-feira, 17 de março de 2014
Os meus heróis
Sempre me interroguei sobre existência de um dia da mãe e um dia do pai. Nunca precisei destas mnemónicas…o Alexandre não se importará do plágio
Meus Heróis
Meus Heróis
Super – Homem,
Batman,Incrível Hulk,
Mulher Maravilha...
de Alexandre Lettner dos Santos
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
Em Copacabana. |
As academias coroam com igual zelo o talento e a ausência dele.
A Palavra Mágica Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'
7 LIVROS QUE DIZEM SER ESSENCIAIS PARA CONHECER DE DRUMMOND
- Alguma Poesia (1930)
O primeiro livro, oficialmente lançado por Carlos Drummond de Andrade, foi uma explosão no meio intelectual brasileiro: "No meio do caminho tinha uma pedra". Já neste trabalho, o poeta trouxe versos livres e sua linguagem direta. Drummond traz traços que irão permanecer por toda a sua obra: a crítica social, o humor e a filosofia. Na verdade, Alguma Poesia era o seu segundo trabalho Seu primeiro investimento no mundo das letras foi com um livro chamado 25 Poemas da Triste Alegria, que ele mesmo produziu em 1924, com ajuda de sua esposa Dolores Dutra de Morais.
SENTIMENTAL
Ponho-me a escrever teu nome
Com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nom !
[...]
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
[...]
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
[...]- Sentimento do Mundo (1940)
Drummond, indignado com o que acontecia ao seu redor - Segunda Guerra Mundial e a ditadura de Getúlio Vargas - chama o leitor a abrir os olhos para o que está acontecendo. Para isso, faz uma relação de como o cotidiano suprime o ser humano. O poeta já traz um sopro de sua poesia mais revolucionária, que viria em seu próximo livro, A Rosa do Povo (1945).
INOCENTES DO LEBLONOs inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe emigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
[...]
POEMA DA NECESSIDADE
É preciso casar João,
é preciso suportar, Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
[...]
MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
[...]- A Rosa do Povo (1945)
É um dos mais importantes livros do poeta. Nele, Drummond integra a família, os amigos e o cotidiano aos problemas sociais que assolam o mundo. Com versos livres, questiona a função da poesia nas relações humanas e se aprofunda nos problemas da Segunda Guerra, da divisão do mundo entre capitalista e socialista, na vida urbana e na morte. É o livro em que o poeta se aproxima do comunismo e sua obra mais explicitamente política.
NOSSO TEMPO
I.
Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.
Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.
Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.
[...]
ÁPORO
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
[...]
RESÍDUO
De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ― de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
[...]- Claro Enigma (1951)
Este é o sexto livro de Drummond, que volta a usar formas clássicas, como sonetos e versos regulares, que haviam sido abandonados pelo modernismo, mas sem deixar de lado a liberdade poética da poesia moderna. O poeta, desencantado sobre tudo o que aconteceu nos anos anteriores, fala sobre o amor, a morte e a memória para refletir o mundo pós-guerra.
AMARQue pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
[...]
A MÁQUINA DO MUNDOE como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
[...]- Antologia Poética (1962)
A reunião de poemas foi feita pelo próprio autor. Segundo ele, a seleção serve para "localizar, na obra publicada, certas características, preocupações e tendências que a condicionam ou definem em conjunto." A antologia é dividida em 9 capítulos: O indivíduo; A terra natal; A família; Amigos; O choque social; O conhecimento amoroso; A própria poesia; Exercícios lúdicos; Uma visão, ou tentativa de, da existência. Os capítulos marcam os temas frequentes na poesia de Drummond. Um ótimo livro para conhecer, de forma mais geral, a obra do poeta.
ETERNO*
E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.
Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.
(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)
O que é eterno, Yayá Lindinha?
Ingrato! é o amor que te tenho.
Eternalidade eternite eternaltivamente
peternuávamos
eternissíssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.
[...]
(*do livro Fazendeiro do Ar, de 1956)- José e Outros (1967)
O livro reúne três obras de Drummond: José (1942), Novos Poemas (1948) e Fazendeiro do Arte (1954). É a partir dele que o poema José ficou popularmente conhecido e fez o verso que se repete pelo poema - E agora José? - virar uma expressão até hoje usada.
JOSÉ E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
[...]- Corpo (1984)
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