domingo, 20 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 12


No Castelo de São Jorge

 

Pedi à sentinela para entrar.
Eu ia um pouco à toa, sem saber
Se era fácil poder justificar
O meu desejo de espreitar o dia
E ver nascer o Sol desse Castelo
Que domina Lisboa no mais belo
E surpreendente quadro de beleza!
Lisboa, a mais gentil, a portuguesa
E nobre capital de um povo grande
No sofrimento e na resignação,
Estava ainda preguiçosa e lenta
No acordar dessa manhã de Outono
Que eu vou tentar fixar nesta canção.

de António Botto 

sábado, 19 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 11

Pelo Tejo Vai-se para o Mundo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América

E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XX"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Tema(s): Natureza  Portugal  Ler outros poemas de Alberto Caeiro

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 10

Poema da Memória

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
 que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
 Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
 exactamente um espelho
 porque, do que sabia,
 só um espelho com isso se parecia.

 De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
 só tinha olhos para o rio distante,
 os olhos do animal embalsamado
 mas vivo
 na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
 Diria o rio que havia no seu tempo

 um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
 onde dois grandes olhos,
 grandes e ávidos, fixos e pasmados,
 o fitavam sem tréguas nem cansaço.
 Eram dois olhos grandes,
 olhos de bicho atento
 que espera apenas por amor de esperar.

 E por que não galgar sobre os telhados,
 os telhados vermelhos
 das casas baixas com varandas verdes
 e nas varandas verdes, sardinheiras?
 Ai se fosse o da história que voava
 com asas grandes, grandes, flutuantes,
 e poisava onde bem lhe apetecia,
 e espreitava pelos vidros das janelas
 das casas baixas com varandas verdes!
 Ai que bom seria!
 Espreitar não, que é feio,
 mas ir até ao longe e tocar nele,
 e nele ver os seus olhos repetidos,
 grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
 Como seria bom!

 Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
 (tão simples isso)
 não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.


António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 9


Brandas águas do Tejo que, passando

Por estes verdes campos que regais,

Plantas, ervas, e flores, e animais,

Pastores, ninfas, ides alegrando;

 

Não sei (ah, doces águas!), não sei quando

Vos tornarei a ver; que mágoas tais,

Vendo como vos deixo, me causais

Que de tornar já vou desconfiando.

 

Ordenou o destino, desejoso

De converter meus gostos em pesares,

Partida que me vai custando tanto.

 

Saudoso de vós, dele queixoso,

Encherei de suspiros outros ares,

Turbarei outras águas com meu pranto.

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 8



Avé Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

 
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina

De Cesário Verde

domingo, 13 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 7



Os Namorados LisboetasEntre o olival e a vinha 
o Tejo líquido jumento 
sua solar viola afina 
a todo o azul do seu comprimento 

tendo por lânguida bainha 
barcaças de bacia larga 
que possessas de ócio animam 
o sol a possuí-las de ilharga. 

Sua lata de branca tinta 
vai derramando um vapor 
precisando a tela marinha 
debuxada com os lápis de cor 

da liberdade de sermos dois 
a máquina de fazer púrpura 
que em todas as coisas fermenta 
seu tácito sumo de uva. 

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

sábado, 12 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 6


E de Novo, Lisboa.




E de novo, Lisboa, te remancho,

  numa deriva de quem tudo olha
  de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
  e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?
 
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?

Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'