domingo, 13 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 7



Os Namorados LisboetasEntre o olival e a vinha 
o Tejo líquido jumento 
sua solar viola afina 
a todo o azul do seu comprimento 

tendo por lânguida bainha 
barcaças de bacia larga 
que possessas de ócio animam 
o sol a possuí-las de ilharga. 

Sua lata de branca tinta 
vai derramando um vapor 
precisando a tela marinha 
debuxada com os lápis de cor 

da liberdade de sermos dois 
a máquina de fazer púrpura 
que em todas as coisas fermenta 
seu tácito sumo de uva. 

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

sábado, 12 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 6


E de Novo, Lisboa.




E de novo, Lisboa, te remancho,

  numa deriva de quem tudo olha
  de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
  e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?
 
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?

Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 5

LISBOA

Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade

- Digo para ver

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 4


LisboaLisboa com suas casas 
De várias cores, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores... 
À força de diferente, isto é monótono. 
Como à força de sentir, fico só a pensar. 

Se, de noite, deitado mas desperto, 
Na lucidez inútil de não poder dormir, 
Quero imaginar qualquer coisa 
E surge sempre outra (porque há sono, 
E, porque há sono, um bocado de sonho), 
Quero alongar a vista com que imagino 
Por grandes palmares fantásticos, 
Mas não vejo mais, 
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, 
Que Lisboa com suas casas 
De várias cores. 

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. 
A força de monótono, é diferente. 
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. 

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 3

Lisboa (Eugénio de Andrade)

Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,

nada mais quero de degrau em degrau

Lisboa em palavras e imagens - 2

Ao Rio Tejo (séc XVI)

Formoso Tejo meu, que diferente
te vejo a ti, me vês agora e viste;
turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
claro te vi eu já, tu a mim contente;

a ti foi-te trocando a grossa enchente
a quem teu largo campo não resiste,
a mim trocou-me a vista em que consiste
o meu viver contente ou descontente

Já que somos no mal participantes,
sejamo-lo no bem. Ó quem me dera
que fôssemos em tudo semelhantes!

Lá virá então a fresca Primavera;
tu tornarás a ser quem eras dantes

eu não sei se serei quem era dantes.

(de autor anónimo)

terça-feira, 8 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 1


O Poema das Barcas Novas


Em Lixboa sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
     ay mia senhor velida!

Em Lisboa sobre lo lez
barcas novas mandei fazer,
     ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
     ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
     ay mia senhor velida!


João Zorro, poeta do sec XIII e XIV