quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Carlos Drummond de Andrade


Carlos Drummond de Andrade

Em Copacabana.


As academias coroam com igual zelo o talento e a ausência dele.


A Palavra MágicCerta palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'



7 LIVROS QUE DIZEM SER ESSENCIAIS PARA CONHECER DE DRUMMOND


Alguma Poesia (1930)

O primeiro livro, oficialmente lançado por Carlos Drummond de Andrade, foi uma explosão no meio intelectual brasileiro: "No meio do caminho tinha uma pedra". Já neste trabalho, o poeta trouxe versos livres e sua linguagem direta. Drummond traz traços que irão permanecer por toda a sua obra: a crítica social, o humor e a filosofia. Na verdade, Alguma Poesia era o seu segundo trabalho Seu primeiro investimento no mundo das letras foi com um livro chamado 25 Poemas da Triste Alegria, que ele mesmo produziu em 1924, com ajuda de sua esposa Dolores Dutra de Morais.

SENTIMENTAL
Ponho-me a escrever teu nome
Com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nom !
[...]

NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
[...]

QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
[...]
Sentimento do Mundo (1940)

Drummond, indignado com o que acontecia ao seu redor - Segunda Guerra Mundial e a ditadura de Getúlio Vargas - chama o leitor a abrir os olhos para o que está acontecendo. Para isso, faz uma relação de como o cotidiano suprime o ser humano. O poeta já traz um sopro de sua poesia mais revolucionária, que viria em seu próximo livro, A Rosa do Povo (1945).

INOCENTES DO LEBLONOs inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe emigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
[...]


POEMA DA NECESSIDADE
É preciso casar João,
é preciso suportar, Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
[...]

MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
[...]
A Rosa do Povo (1945)

É um dos mais importantes livros do poeta. Nele, Drummond integra a família, os amigos e o cotidiano aos problemas sociais que assolam o mundo. Com versos livres, questiona a função da poesia nas relações humanas e se aprofunda nos problemas da Segunda Guerra, da divisão do mundo entre capitalista e socialista, na vida urbana e na morte. É o livro em que o poeta se aproxima do comunismo e sua obra mais explicitamente política.

NOSSO TEMPO
I.


Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.
Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

[...]

ÁPORO
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
[...]

RESÍDUO
De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ― de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
[...]
Claro Enigma (1951)

Este é o sexto livro de Drummond, que volta a usar formas clássicas, como sonetos e versos regulares, que haviam sido abandonados pelo modernismo, mas sem deixar de lado a liberdade poética da poesia moderna. O poeta, desencantado sobre tudo o que aconteceu nos anos anteriores, fala sobre o amor, a morte e a memória para refletir o mundo pós-guerra.

AMARQue pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
[...]

A MÁQUINA DO MUNDOE como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
[...]
Antologia Poética (1962)

A reunião de poemas foi feita pelo próprio autor. Segundo ele, a seleção serve para "localizar, na obra publicada, certas características, preocupações e tendências que a condicionam ou definem em conjunto." A antologia é dividida em 9 capítulos: O indivíduo; A terra natal; A família; Amigos; O choque social; O conhecimento amoroso; A própria poesia; Exercícios lúdicos; Uma visão, ou tentativa de, da existência. Os capítulos marcam os temas frequentes na poesia de Drummond. Um ótimo livro para conhecer, de forma mais geral, a obra do poeta.

ETERNO*
E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
peternuávamos
eternissíssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.
[...]
(*do livro Fazendeiro do Ar, de 1956)
José e Outros (1967)

O livro reúne três obras de Drummond: José (1942), Novos Poemas (1948) e Fazendeiro do Arte (1954). É a partir dele que o poema José ficou popularmente conhecido e fez o verso que se repete pelo poema - E agora José? - virar uma expressão até hoje usada.

JOSÉ E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
[...]
Corpo (1984)

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