quinta-feira, 17 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 9


Brandas águas do Tejo que, passando

Por estes verdes campos que regais,

Plantas, ervas, e flores, e animais,

Pastores, ninfas, ides alegrando;

 

Não sei (ah, doces águas!), não sei quando

Vos tornarei a ver; que mágoas tais,

Vendo como vos deixo, me causais

Que de tornar já vou desconfiando.

 

Ordenou o destino, desejoso

De converter meus gostos em pesares,

Partida que me vai custando tanto.

 

Saudoso de vós, dele queixoso,

Encherei de suspiros outros ares,

Turbarei outras águas com meu pranto.

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 8



Avé Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

 
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina

De Cesário Verde

domingo, 13 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 7



Os Namorados LisboetasEntre o olival e a vinha 
o Tejo líquido jumento 
sua solar viola afina 
a todo o azul do seu comprimento 

tendo por lânguida bainha 
barcaças de bacia larga 
que possessas de ócio animam 
o sol a possuí-las de ilharga. 

Sua lata de branca tinta 
vai derramando um vapor 
precisando a tela marinha 
debuxada com os lápis de cor 

da liberdade de sermos dois 
a máquina de fazer púrpura 
que em todas as coisas fermenta 
seu tácito sumo de uva. 

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

sábado, 12 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 6


E de Novo, Lisboa.




E de novo, Lisboa, te remancho,

  numa deriva de quem tudo olha
  de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
  e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?
 
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?

Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 5

LISBOA

Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade

- Digo para ver

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 4


LisboaLisboa com suas casas 
De várias cores, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores... 
À força de diferente, isto é monótono. 
Como à força de sentir, fico só a pensar. 

Se, de noite, deitado mas desperto, 
Na lucidez inútil de não poder dormir, 
Quero imaginar qualquer coisa 
E surge sempre outra (porque há sono, 
E, porque há sono, um bocado de sonho), 
Quero alongar a vista com que imagino 
Por grandes palmares fantásticos, 
Mas não vejo mais, 
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, 
Que Lisboa com suas casas 
De várias cores. 

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. 
A força de monótono, é diferente. 
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. 

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, 
Lisboa com suas casas 
De várias cores. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Lisboa em palavras e imagens - 3

Lisboa (Eugénio de Andrade)

Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,

nada mais quero de degrau em degrau